quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Vamos falar de saudade?

Hoje, eu estava vindo para o trabalho, passando na avenida das Flores, e ouvindo rádio como faço todos os dias. Normalmente, utilizo o trajeto casa-trabalho para organizar meu dia, checar as pendências e definir as prioridades. O rádio fica ligado mas nem sei em que estação está sintonizado, e só presto atenção as vezes, quando alguma noticia referente ao trabalho é mencionada (isso se eu não estiver totalmente concentrada em meus pensamentos e conseguir captar). No trajeto trabalho-casa, a situação é bem diferente: utilizo os primeiros 2 a 3 km fazendo um check list mental das atividades do dia, e o restante do tempo "desvisto" a médica, e, com o rádio alto, canto pra relaxar e chegar em casa mais leve.
Acho que adquiri este hábito quando fazia plantão em uti (unidade de terapia intensiva), em que saía do plantão emocionalmente exausta. Sim, médico sofre, viu? A gente põe uma máscara de profissionalismo quando fala com os familiares, e a gente quase se convence de que sabe separar as coisas. Mas não é bem assim. Muitas vezes, a equipe chora em silêncio quando perde um paciente. Muitas vezes alguém da equipe se emociona ao ver alguma história, até se identificando com alguma situação. E, pode parecer história de rede social, mas eu já atendi um familiar meu em parada cardíaca. Isso aconteceu há muito tempo, durante o transporte entre clínica e hospital.  No primeiro segundo, eu gritei: "Tio"! mas em seguida a médica surgiu, tomou conta da situação e reanimou o paciente, entregando ele estável ao hospital de destino.
Nessa época, eu chegava em casa, descia do carro e sentava na calçada de casa, olhando a grama, mexendo nas flores, catando matinho. Eu precisava destes minutos para poder entrar em casa e ser a mãe que minha filha precisava. Para poder diminuir meu nivel de estress e brincar com ela, rir das coisas de criança, ver desenho animado... Até pra poder dar aquele abraço apertado sem a dor sentida pelas mães que não podiam mais abraçar seus filhos.

Mas voltando ao hoje, do nada, uma propaganda me chamou atenção. A música da propaganda de uma joalheria me transportou imediatamente há uns 15 anos atrás. Olhei pelo retrovisor e cheguei a ver no banco de trás do carro a Ju, a Duda e a Teo. Rindo, ou melhor gargalhando enquanto cantavam junto a música da propaganda. Por isso hoje falo de saudade. E, sem querer fazer propaganda, hoje percebi que a música fala a verdade. "Se você quer magia, a ... tem.".

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Só por hoje...

Não me interessa que hoje é terça feira. Não me digam que amanhã acordo cedo, que amanhã
tenho que trabalhar. Eu quero vida! Quero sentir o vento acariciando meu rosto e
desarrumando meus cabelos.
Hoje eu não quero saber se minha roupa combina, se minha maquiagem está adequada, se
estou gorda ou magra. Hoje eu quero viver! Preciso, desesperadamente, sentir a vida
palpitando em minhas veias, inundando cada pedaço do meu corpo.
Quero sentir o calor do sol, quero meu corpo arrepiado de frio, quero sentir a chuva lavando
até a minha alma. Caminhar de pés descalços, sentindo a aspereza das pedras, a complacência
da areia, o gelo da água do mar.
Desculpem, hoje não me falem de problemas, não me venham com lamúrias, não queiram
discutir política, nada. Só por hoje eu vou ser feliz. Só por hoje eu vou sorrir para quem passar
por mim, mesmo que não me olhe. Vou estender a mão para ajudar a um desconhecido, vou
cantar livremente a minha música favorita.
Acreditem, quero dar gargalhadas até que as lágrimas brotem nos olhos... quero me alimentar
dos sorrisos alheios... sair de chinelos na rua! Vou me permitir recostar o corpo numa rede, e
ficar preguiçosamente vendo as nuvens brincando no céu de desenhar formatos. Não me diga
que não.
Talvez até um suba numa árvore, sujando minha roupa, para ficar lá, sentada num galho e
ouvindo o canto dos passarinhos. Correr na rua brincando com os cachorros, até ficar exausta.
Me perdoem, mas só por hoje eu preciso ser feliz. Amanhã não sei. Amanhã é outro dia.

sábado, 2 de setembro de 2017

Como boa moça...











                                           Mais uma vez ela se calou. Fechou os olhos levemente, engoliu em silêncio todos os sentimentos que lhe brotavam teimosamente nos olhos. Não deixou que a lágrima rolasse, denunciando a dor que lhe perpassava a alma. Caminhou a passos hesitantes, em direção ao nada. Sufocou o grito. Ela morreu mais uma vez. Sozinha, trancada dentro de si mesma, ela reviveu memórias. Lembrou de todas as vezes que tinha visto alguma mulher se calar. De todas as amigas que lhe confidenciavam seus silêncios lúgubres. Aquela dor tão conhecida, tão velha companheira, lhe atravessou a garganta. Não conseguia engolir a nódoa que lhe embargava a voz e lhe turvava os sentidos. Quantas vezes mais iria precisar sepultar os seus sentimentos? Ela pensava em tudo isso, enquanto inventariava suas lembranças e cicatrizes. 
                                         No outro dia, enquanto observava o sol se derramar sobre o mar, ela sentiu uma dor estranha. Uma dor forte, tal uma faca lhe atravessando o ventre. Percebeu que era um sentimento que tentava fugir do claustro em que havia sido mergulhado. Imediatamente, ela reergueu os muros, e o sufocou mais uma vez. Nem sempre era tão fácil... muitas vezes, ela lutava contra a ânsia de os libertar e o receio de se fazer ouvir. Tinha aprendido a calar. Tinha aprendido desde cedo que meninas educadas não discutem. Sabia silenciar os medos e sorrir com os lábios emudecidos pela dor. Sabia até mesmo camuflar seu olhar sob a maquiagem impermeável de mulher feliz. No alto de seus saltos, equilibrava emoções com maestria, como artista com seus malabares coloridos. Ela representava a boa moça como ninguém. 
                                    Mas, naquele dia, algo aconteceu. Sem que ela se desse conta, sem que ninguém percebesse, um pequeno pertuito causou um extravazamento inesperado. Sem que fosse programado, ela sorriu. Sem qualquer anúncio prévio, ela ergueu os olhos e suspirou. Ela viu o mundo refletido no cristal em que se abrigara. E, de repente, um manancial de sonhos transbordou entre seus dedos... Cansada de calar, pela primeira vez, ela existiu.




Foto: Simone Luz




Marcadores: , , , , , , , , ,