sábado, 29 de julho de 2017

Minha procura...










                       Quando eu acordei, não me encontrei. Olhos abertos, procurei pelo quarto mas nada. Eu estava só. Fiquei tentando me lembrar da noite anterior, refazendo cada um dos meus passos lentamente. Olhos fechados, rememorei cada palavra dita, cada movimento de meu olhar... nada. Revisitei todos os recantos, os pés exaustos, a vista turva...
                 Lentamente, abri os olhos e as janelas. Procurei um sinal que me mostrasse onde eu poderia estar. Nada. Permaneci vazia, a espera de minha volta. Lágrimas silenciosas escorriam por minha face pálida. Entre meus dedos, a saudade de mim se misturava a ansiedade do reencontro. Palavras soltas se despejavam por entre meus lábios secos.
                     Foi quando, entre soluços, percebi que vinha há tempos fugindo de mim... Cada segundo de sonho me fazia largar um pedaço de mim pelo mundo afora. Assim, sentimentos naufragados numa tempestade de amores febris corriam alucinados pelos campos ermos das memórias infinitas. Pequenas vilãs acorrentavam carícias febris aos olhares gélidos dos amores passageiros...
                   Meu pequeno universo estilhaçado em caos absoluto. Meu eu perdido de meu ser. Eu vazia de mim, ao mesmo tempo em busca e fuga. Gritando silenciosamente meu nome, enquanto me derramava pelas paredes viciadas da desilusão. Caos e desordem na perfeição complexa dos meus sentimentos desencontrados.
                   Acordar sem mim não tem sido fácil. Me perder de mim tem sido a pior parte de tua ausência.




Foto: Simone Luz
                   

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sábado, 22 de julho de 2017

Elas...







                         Naquela noite, ela dormiu feliz. Pela primeira vez em muitos anos, ela adormeceu com um sorriso nos lábios. Os olhos ainda estavam levemente avermelhados, o rosto meio inchado de chorar... Mas foram lágrimas de alegria! Naquela noite, ela dormiu plena. 
                         Foram tantos anos de sonhos, tantas noites de angústia, tantos desejos afogados na memória. Todos os dias ela saía sabendo que faltava uma parte, que a vida tinha algo maior e mais bonito para ela. Ela acumulava seus sonhos na gaveta, escondia sentimentos nos armários, tinha uma mala cheia de lembranças!
                            Mas, naquele dia tudo mudou. Ela encontrou seu pedaço. Ela se descobriu em outro rosto, em outro corpo, em outra história. Viu seus olhos brilharem em outros olhos, a cumplicidade que sorriu tímida e as lágrimas rolaram sem pudor. 
                       Por um instante, o mundo parou. E, em alguns segundos, tudo mudou. Tudo girou, e nada mais pode ficar no mesmo lugar. As gavetas da memória foram reviradas sem piedade, os sentimentos empoeirados saíram do armário primeiro tímidos, depois dançando alucinadamente. Os fantasmas que habitavam debaixo de camadas do verniz social foram dilacerados, definitivamente expulsos.
                          A partir daquele dia, somente flores nas janelas da alma. Sorrisos brincando pelos cômodos do peito, povoando de amor cada pedacinho outrora machucado. Porque naquele dia ela se encontrou com ela mesma, com a criança que ela um dia fora, e descobriu que a vida lhe dava uma nova chance. 
                      Naquele noite, duas almas sorriam felizes e reencontradas. E o sono extasiado de euforia, cedeu espaço para um novo dia. Porque, naquela noite, o mundo delas mudou.

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sábado, 15 de julho de 2017

Desculpa, amor...







                 Desculpa, amor, eu sei que é tarde, mas eu preciso ir. Lá fora a cidade grita, as luzes piscam, a vida segue. Desculpa. Sei que já se faz tarde demais para isso, nossos corpos, nossos seres já se misturaram indefinidamente. Talvez ao me levantar eu acabe carregando algo de teu comigo, talvez deixe alguma parte minha... não sei.
                     Sei que é tarde, já permiti que teu cheiro se entranhasse em minhas memórias, e teu suor está salgado do meu. Não consigo. Te deixar é doloroso, meu verso sangra... mas a solidão, a minha eterna companheira, é possessiva, é ciumenta, é minha dona. Provavelmente terei mais uma noite insone, chorarei, e recordarei de cada detalhe: do sabor de teus lábios, da tua carícia suave, da tua respiração em meus ombros... Tudo isso ficou gravado em mim, amor. Tudo isso me conforta e me enforca ao mesmo tempo. Meus sentidos embaçados, meus lábios mudos, teu olhar distante.

                       Eu te perco e me dilacero quando parto, eu sei. Mas é preciso, amor... me perdoa...

                  Eu tinha tanta coisa pra te dizer ainda... eram tantos os abraços a te dar... eu tinha um sonho pra gente sonhar junto! Tinha teus braços abrindo minhas janelas, tinha nosso retrato na parede do nosso lar. Aquele retrato, lembras? Eu guardei no meu abraço a tua imagem... Deus! Por que tudo isso? Prá que esta ansiedade louca? por que essa tortura insana? Eu queria conseguir relaxar no teu regaço... eu queria viver o sonho... mas não posso. Desculpa, amor... a dor me invade, e eu já não resisto. Mais uma vez eu vou embora, desculpa, eu vou partir.



Foto: Simone Luz

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