terça-feira, 31 de maio de 2016

Sobre medo...










Acordo mais uma vez com os gritos do silêncio... é sempre assim, a noite cai calada e fria sobre minha janela. Aconchegada aos travesseiros, por fim adormeço. 
E, de repente, são gritos mudos que me acordam.
Talvez se eu tentasse fechar as janelas da solidão... Mas como? Minha fiel escudeira, sempre ao meu lado, sempre! Na verdade tão companheira que nem posso mais me considerar sozinha, não mesmo.
Tenho medo. Confesso. Medo de todas as noites que virão ainda, medo de que as janelas não se fechem nunca... Medo de que este imenso vazio seja tudo o que restou.
Grito. 
Um grito longo e mudo. 
Choro.
Abraço meus travesseiros e novamente adormeço.
Quem sabe amanhã... 
..talvez faça sol.


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terça-feira, 24 de maio de 2016

Tum-tá... Tum-tá... Tum-tá...



Quando nasci, Deus me deu um coração. Um negócio que batia dentro do meu peito, e, nesse tum-tá, aproveitava pra levar sangue pro corpinho crescer. As vezes ele descompassava e batia assustado quando algum barulho mais forte o acordava, ou quando o colo aconchegante e  protetor de repente desaparecia.
No escuro, ele batia alto... seus ecos ricocheteavam pelas paredes do quarto e volta e meia ficavam enganchados nas grades do berço, até que finalmente serenavam e voltavam ao tum-tá habitual. Em alguns momentos, suas batidas eram tão suaves que me pareciam melodia... chegavam na verdade a me ninar e eu quase nem percebia sua presença.
Assim fui crescendo. E o bichinho foi se desenvolvendo de um jeito que pareceu criar vida própria! Sim, isso mesmo: vida própria! Do nada a criatura se encantava por alguma voz, por algum sorriso e pronto. Lá estava eu chorando e sofrendo porque o bonitinho do coração estava me traindo por alguma promessa.
Acho que foi por isso, só pode ser, que Deus me deu outro coração de consolo. Passei a viver então com dois: um que batia no meu peito descompassado de amores, e outro que passou a bater comigo, ainda enlevado e sereno. Vivemos assim por algum tempo, eu e os dois corações num único corpo. Um corpo que vivia por um coração e alimentado por outro, um coração que batia por mim e outro que apanhava a toa e chorava por tudo.
Talvez porque eu ainda não encontrasse o equilíbrio, ou talvez por me julgar forte demais, Deus me deu mais um: um que batia pelo mundo. Este então, coitado, sofria horrores. Raramente se encantava, as vezes sorria, mas chorava sempre. Absolutamente frágil, este coração me causava dores imensas... Sofria violentamente junto com todos e com cada um. Chorava por amor e por dor, por alegria e por tristeza... um caos total! Este me despedaçava e me reconstruia todo dia!
Foi mais ou menos por essa época que resolvi que era hora de tentar dividir as coisas, tentar sei lá, harmonizar. Então confiei o meu primeiro coração para alguém cuidar. Tentei algumas vezes, com pessoas diferentes. Umas brincavam com ele, outras cuidavam um tempo, outras o ignoravam. Algumas o quebraram. E a cada vez ele voltava para mim, despedaçado e frágil, e sempre só. 
Por tudo isso, cheguei onde estou. Louca. Cheia de sentimento. Tudo e nada ao mesmo tempo. Hoje vários corações vivem no meu peito. Mas só um me mantem viva: o que bate fora de mim.

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